quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Entrevista: Marco Aurélio Mello

Revista Istoé, 31dez/2008, ano 31, nº 2043
ISTOÉ - Alguns Ministros do Supremo têm reclamado da espetacularização das atividades da Polícia Federal. O sr. concorda?
Marco Aurélio - Está havendo uma inversão de valores. Só avançaremos culturalmente quando passarmos a observar com absoluta fidelidade homens comuns e homens públicos a partir das regras estabelecidas. É claro que em qualquer setor há desvio de conduta. Sou contra, por exemplo, que se faça diligência levando a tiracolo um veículo de comunicação. Impõe-se com isso uma pena a priori àquele que será conduzido. É uma pena degradante. E a Constituição Federal não agasalha penas degradantes.
ISTOÉ - Vivemos sob um Estado policialesco, como diz o presidente do STF, Gilmar Mendes?
Marco Aurélio - Não concordo. O dia em que eu admitir que temos um Estado policialesco, nós teremos que fechar o Brasil para balanço.
ISTOÉ - O cerne de toda essa discussão sobre um Estado policialesco foi a Operação Satiagraha. O erro foi a cooperação entre a PF e a Abin?
Marco Aurélio - A cooperação entre órgãos do Executivo é louvável. O que não pode haver é invasão de área reservada a um determinado setor. Os atos relativos ao Judiciário em termos de polícia são executados ou pela Polícia Civil, em se tratando de Justiça comum nos Estados, ou pela Polícia Federal, no caso de crime dito federal. Não conheço o que ocorreu de fato. Mas, se ocorreu o extravasamento, não é salutar.
ISTOÉ - Existem quase 500 mil escutas telefônicas autorizadas pela Justiça no País. Há uma banalização de autorizações judiciais de escutas?
Marco Aurélio - A regra é a preservação da privacidade. A exceção é a escuta telefônica devidamente autorizada. E a autorização tem que ser dada por órgão integrante do Judiciário. Repito: é a exceção. E ela não pode ser generalizada. Os própios juízes devem ter isso em mente e não implementarem a torto e a direito a escuta telefônica. Agora, quando a escuta se faz sem autorização judicial, aquele que a implementa comete crime e deve ser reponsabilizado.
ISTOÉ - Como membro do Judiciário, como o sr. recebeu a notícia da prisão do presidente do TJ do Espírito Santo? O que fazer para acabar coma corrupção na Justiça?
Marco Aurélio - Há meios e meios para investigar. Não podemos implementar a Justiça a ferro e fogo a ponto de colocar em risco a respeitabilidade de instituição. A prisão foi necessária? A busca e a a apreensão ocorridas no gabinete de um deputado federal desaguaram em um melhor quadro na apuração dos fatos? A resposta é negativa. E o desgaste institutional, quer com a prisão do presidente do TJ do Espírito Santo, quer com busca e apreensão foi muito grande. Irrecuperável aos olhos da sociedade e do povo brasileiro. Precisamos abandonar esses atos extremos que não contribuem para um avanço cultural.
ISTOÉ - O que deveria ter sido feito nesses casos?
Marco Aurélio - Investigar e investigar. E punir exemplarmente aqueles que tivessem coemtido desvio de conduta. Não se pode dar uma esperança vã à sociedade. Claro que a turba, a multidão, quer sangue e circo. Mas o Estado não deve entrar nisso. Cabe ao Estado marchar com a segurança, preservando as instituições e os cargos existentes.
ISTOÉ - O sr. acha que o País está entrando nesse jogo do sangue e do circo?
Marco Aurélio - Acho que no Brasil se joga muito para a platéria. Estão sendo praticados atos equivocados que, futuramente vão ser afastados do cenário. E para o leigo isso implica decepção.
ISTOÉ - Como vê a acusação de que o Judiciário está usurpando as funções do Poder Legislativo?
Marco Aurélio - Temos atuado a aprtir da legislação. Não temos extravasado o campo que é reservado constitucionalmente. Agora, talvez o Supremo esteja numa fase de desenvoltura maior do que a fase anterior, um pouco tímida. Houve uma mudança substancial em busca de concretude do direito e da Constituição Federal. As autoridades e os agentes políticos não estavam acostumados a essa atuação salutar do STF, e que espero que persista. O Supremo é a último trincheira do cidadão.
ISTOÉ - Diz-se que alguns deputados envolvidos no mensalão poderiam renunciar para tirar o processo do foto privilegiado e recomeçar tudo de novo.
Marco Aurélio - Primeiro espero viver o dia em que a Constituição será alaterada para acabar com a prorrogativa de foto. Que todos sejam tratados de forma igual. Agora, costumo dizer que se paga um preço por se viver em um Estado de direito. E esse preço é módico e está ao alcance de todos. É o respeito irrestrito estabelecidas. Regras que visam à segurança jurídica do cidadão em geral.
ISTOÉ - O balanço das atividades do Judiciário revelou que a morosidade de processos ainda está longe de ser resolvida. Como solucionar isso?
Marco Aurélio - O que precisamos é simplificar o rito, sem atropelar o direito de defesa, que é um direito sagrado do homem. No Brasil, presume0se que toda decisão contrária aos respectivos interesses é uma decisão errada. Aí se interpõe sucessivamente uma série de recursos. Não é crítica generalizada aos profissionais, mas às vezes até o advogado faz o jogo da parte constituinte, em vez de dizer a ele: "olha, não há mia socmo reverter esse quadro". Podemos e devemos enxugar o rol de recursos.
ISTOÉ - Como vê as críticas de que o Judiciários é um poder caro e até suntuoso, levando-se em conta a sua eficiência?
Marco Aurélio - O Judiciário não está imune ao inchaço da máquina administrativa. Quando há o exemplo de cima, ele é seguido. Chegará o dia no Brasil em que haverá o enxugamento da máquina Judiciária, evitando-se gasto de toda receita com a manutenção dessa máquina e tendo recursos para serviços essenciais como saúde, transporte e segurança pública. Há excessos que devem ser oicibidos, mas sem que se prejudique a ingra-estrutura indispensável às tarefas do Judiciário.
ISTOÉ - Como reagiu Às críticas do presidente Lula ao seu pedido de vista do processo da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol?
Marco Aurélio - Em primeiro lugar, só estou submetida à própria ciência e consciência. Em segundo, não vou, antes de formalizar um pedido de vista, endereçar ao presidente Lula um pedidod e permissão para fazê-lo. Cumpro meu dever com a toga nos ombros. Há 12 anos tenho empo para me aposentar. E poderia sair, tenho convites para atuar em bancas de advocacia, para construir um patrimônio até maior do que o que acumulei até hoje. Não faço porque me realizo como homem servindo aos meus semelhantes nessa missão sublime que é a de julgar. Pedi vista porque o caso é seríssimo e exige uma reflesão. E fique muito decepcionado com a não observação do que sempre foi a liturgia do STF: de aguardar a devolução do processo pelo colega que pediu vista. Agora, o fato de ter-se alcançado oito votos não resulta no prejuízo do meu pedido de vista. Trabalho no caso com o mesmo entusiasmo que empreenderia se fosse o primeiro a votar a matéria.
ISTOÉ - O ministro Joaquim barbosa disse em uma entrevista que "sem aquela briga com o ministro Marco Aurélio o caso Anconda não teria condenação"; Vocês já se entenderam? Estão rompidos?
Marco Aurélio - O colegiado é um somatório de forças distitntas. Não estamos ali para concordar um com o outro. Não somos vaquinhas de presépio. Cada qual deve revelar o seu convencimento. Só que com respeito mínimo. E penso que na entrevista o ministro Joaquim barbosa faltou com o respeito. Pedi a retratação em plenário e ele nãos e retratou. Deveria ter se retratado. A punição na Anaconda não resultou do incidente que ele comigo. Não psso a mão na cabeça de quem delinqüiu no campo penal. Mas não pretendo ser mais rigoroso do que o é a lei porque partiria para o justiçamento. A lei é feita para os homens, não os homens para as leis.