sábado, 3 de novembro de 2007

Abrace sua Constituição

Muitas das palestras do CDC (Congresso de Direito Contemporâneo) foram, de fato, fantásticas. Eu queria compartilhar aqui algo do que foi dito, mas minhas anotações não permitem uma transcrição literal. Então, seguindo a linha de pensamento dos palestrantes, vou tentar falar sobre o tema, sendo o mais fidedigna possível ao que eles disseram.


Bom, falou-se muito em neo-constitucionalismo, tanto no CDC, nas palestras dos professores Marcelo Jobim e Thiago Bomfim, quanto na ocasião do lançamento do livro de constitucional do prof. Dirley da Cunha Jr. Afinal, o que é neo-constitucionalismo? Nada mais do que o mo(vi)mento que vivemos dentro do universo jurídico brasileiro. É o constitucionalismo acrescido de valores humanos, dispara o prof. Jobim.

Ora, nossa Constituição carrega o epíteto de Constituição Cidadã, e jamais esqueçamos da transição da ditadura à democracia, que ela representou e efetivou. Nós sabemos que ela foi feita para o povo e que podemos solucionar quase todos os problemas que nos apresentam apenas em seguir seus mandamentos. Queixamo-nos sempre de como a CF é magnífica, ah, se a realidade correspondesse a ela! O prof. Dirley diz mesmo que não houve na história do Brasil uma Constituição verdadeira antes da vigente. Essa fala se justifica na classificação de Karl Lowenstein em constituições semânticas, nominais e normativas:

Como semântica podemos exemplificar com a Carta de 1967, de 1969, igualmente
elaboradas para justificar a opressão de um governo militar. A verdadeira CF, de
1988, simboliza a passagem da indiferença, de uma época em que ninguém nutria
vontade de estudar direito constitucional. Há agora uma carga plenamente
normativa.

É curioso imaginarmos que o prazer e, admitamos, a majestade que enxergamos no estudo do direito constitucional não existia. Havia, ao contrário, desencorajamento àqueles que cogitavam enveredar por esse ramo.

Verificamos hoje, inclusive, um escol de direitos humanos fundamentais. Esse interesse pela pessoa humana, oficialmente datado da Declaração dos Direitos do Homem de 1949, manifesta-se bem - como foi destacado por Cristiano Chaves na sexta-feira -, no Novo Código Civil, que passa a prever não apenas o dano patrimonial, mas o moral. Saímos do feudalismo.

Mais do que tudo isso, nas palavras do prof. Jobim, o neo-constitucionalismo contempla o processo de constitucionalização dos direitos. E isso é, simplesmente, a interpretação segundo a Constituição; e é, além, a CF como orientadora da atuação dos Três Poderes. E por que não seria assim? A CF condensa nosso ordenamento jurídico, amplia e ao mesmo tempo simplifica a legislação ordinária. Luís Roberto Barroso[1] enuncia: o surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Deixamos a indiferença no passado a que pertence e começamos a nos aprofundar no estudo da Lei que rege todas as leis e o funcionamento do Estado.

O neo-constitucionalismo vem com a nobre missão de consolidar o pós-positivismo. É hora de pensar no bem do indivíduo e da coletividade antes de mais nada, de aplicar princípios e de ponderar. O prof. Dirley fez menção à arraigada cultura da infraconstitucionalidade no Brasil. E isso nos leva a uma reflexão preocupante: o Judiciário vem resistindo bravamente aos princípios, implícitos ou não[2]. Isso se dá pela pura preguiça de pensar ou para afastar propositalmente o cidadão comum do Direito?

[1] Luís Roberto Barroso destrinchou todo o assunto. O texto integral pode ser encontrado aqui: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547.

[2] Não só a razoabilidade está em jogo, como somos acusados de afirmar uma indústria do dano moral. Pano pra manga de outros posts.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Homens e honra

Voltei há pouco do Congresso de Direito Contemporâneo, inflamada por discursos de consciência política e jurídica, haha. O prof. Marcelo Jobim disse com muita propriedade que pensa-se em direitos fundamentais, mas não em deveres, que parecem sempre recair sobre o Estado; Locke falou sobre o direito de resistência, que é o direito/dever primeiro do povo contra a tirania; e nós discutimos continuamente a apatia dos brasileiros diante de toda essa palhaçada que se descortina à nossa vista. Então, vamos falar sobre uma coisa algo diferente, vamos falar sobre o exercício do poder de resistência, a cobrança da sociedade, a ação e não a inércia. Tudo parte de um protesto pacífico, intelectual ou o que seja. Li a notícia no Yahoo!, que não tem links muito fixos, e resolvi transcrever. Segue.

Chefe da Scotland Yard deve renunciar por caso Jean Charles, dizem jornais

Sex, 02 Nov, 01h21
Londres, 2 nov (EFE).- O vespertino "The Evening Standard" uniu-se hoje à relação de jornais e dirigentes que opinam que o comissário-chefe da Scotland Yard, Ian Blair, deveria renunciar pela morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado a tiros pela Polícia no metrô de Londres depois de ter sido confundido com um terrorista.
"Sir Ian deveria tomar a atitude mais digna" é o título do artigo publicado hoje no "Evening Standard", assinado pela colunista Anne McElvoy, que prevê ainda que os dias de Blair à frente da Polícia Metropolitana "estão contados", segundo pessoas
próximas a ele.
Ian Blair tem "o apoio da ministra do Interior e do primeiro-ministro, e do prefeito de Londres, mas as declarações de apoio entre os membros do Governo são mais bem mais formais e não respondem a sentimentos autênticos", acrescenta McElvoy.
Segundo ela, "as pressões" do responsável pela pasta do Interior da oposição conservadora, David Davis, e do aspirante à direção liberal-democrata Nick Negg "tornarão muito mais difícil a possibilidade de Ian seguir em seu posto".
[...]
Outro diário, o "Guardian", publica hoje um comentário da diretora da organização de defesa dos direitos civis Liberty, Shami Chakrabarti. O texto questiona a atribuição de responsabilidades no caso Jean Charles.
"O veredicto da última quinta-feira, que condenou a Scotland Yard, equivale a não muito mais que uma simples "multa" que deverá recair sobre os contribuintes, e o direito a um julgamento justo da Polícia Metropolitana é só uma desculpa para não revelar as falhas na operação", declara a renomada advogada. [...] "Com ou sem responsabilidade pessoal, não é uma desonra assumir a responsabilidade em nome de nossos colegas e saber partir".
Mais duro ainda é o tablóide "Daily Mail", que classifica hoje em sua primeira página Ian Blair como um "homem sem honra".


Lembrando que nós nem falamos mais sobre honra por aqui. Dizemos que as pessoas não têm vergonha na cara e nos conformamos com isso. Mas, por uma centelha de esperança, vamos confiar que a pressão, ainda que pequena, que fizemos no nosso caso Calheiros tenha servido de algo. E o Ian Blair (vulgo bLiar, para os ingleses)? Esse tomou no c.

Indignemo-nos sempre, um dia alguém pode prestar atenção.