segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Acumulação de Cargos Públicos

Acumulação de cargos. Uma visão pragmática sobre a vedação constitucional na Administração Pública Federal.

Introdução
O presente trabalho tenciona analisar os mais comuns aspectos inerentes à proibição de acumulação de cargos imposta da pela Constituição Federal.
Seu caráter é eminentemente pragmático, descrevendo a ideal atuação do administrador público para execução da norma constitucional.

Devido à grande responsabilidade de que se incumbe o agente público, e visando sempre a máxima eficiência do serviço, a Administração Pública encontra-se sujeita a regras específicas quanto à cumulação de cargos. São ilícitas todas as acumulações de cargos públicos não excepcionadas pela Constituição Federal de 1988.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

A vedação se limita ao acúmulo de cargos dentro da própria Administração, direta ou indireta, autárquica, fundacional ou de direito privado. Incluem-se aí cargo efetivo, de contratação temporária ou cargo de provimento em comissão, mas não os empregos fora da Administração(iniciativa privada).
As três alíneas constituem exceção à proibição e representam um rol taxativo, a ser interpretado restritivamente, impassível de ampliação. É, nesse sentido, inflexível, embora outras restrições possam ser estabelecidas pela Administração.
Não comporta a tripla acumulação remunerada, quando o texto é imperativo ao excepcionar a acumulação de dois cargos apenas.
A outra vedação trazida pela Constituição é encontrada no art. 37, XI: a remuneração dos ocupantes de cargos públicos não pode exceder o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, contando-se a acumulação.

Cargos Técnicos e Científicos

Algo evasivo, o teor da alínea b requer complementação no que toca à conceituação de cargo técnico ou científico. Socorre-nos o Ofício Circular nº 07/90, proveniente do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que discrimina em seu item III, para efeito de definição desses cargos, “aquele para cujo exercício seja indispensável e predominante a aplicação de conhecimentos científicos ou artísticos obtidos em nível superior de ensino“.
O referido ato normativo discorre sobre outras especificidades:
IV - Também pode ser considerado como técnico ou científico o cargo para cujo exercício seja exigida a habilitação em curso legalmente classificado como técnico, de grau ou de nível superior de ensino.
V - Os cargos e empregos de nível médio, cuja [sic] atribuições lhe emprestem características de "técnico", poderão em face do entendimento firmado no Parecer C.G.R. nº CR/SA 28/29 (in DOU de 15.06.89 - Seção I, pág. 9502), ser acumulados com outro de Magistério (alínea "b", item XVI, do art. 37 da Constituição Federal);
Exemplos: Desenhista, Técnico de Laboratório, Técnico de Contabilidade, auxiliar de Enfermagem, Programador etc.

A Situação do Magistrado

Silogismo, são técnicos ou científicos os cargos de magistratura. Ainda nebulosos, entretanto, os termos em que se dá a proibição, uma vez que o art. 37, caput, refere-se a cargos públicos. Infere-se, a priori, que não haveria qualquer impedimento ao magistrado que exerce dois cargos públicos, de juiz e professor, além de outros empregos privados de magistério.
Oportuno o exame do art. 95 da Constituição, que cuida dos direitos e deveres da carreira de magistratura:
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

Inespecífico o inciso acima transcrito, origina-se um conflito entre o mesmo e o disposto no art. 37, XVI. A redação parece permitir apenas um cargo ou emprego de magistério, seja público ou privado. Inaplicáveis os critérios de dissolução de conflito de normas (hierárquico, cronológico e de especialidade), prolonga-se a discussão na doutrina e nos tribunais.
Adotando firmemente uma das interpretações possíveis, preceitua a Lei Complementar nº 35/79, Lei Orgânica da Magistratura Nacional:
Art. 26 - O magistrado vitalício somente perderá o cargo:
I - em ação penal por crime comum ou de responsabilidade;
II - em procedimento administrativo para a perda do cargo nas hipóteses seguintes:
a) exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um cargo de magistério superior, público ou particular;
[...]
§ 1º. O exercício de cargo de magistério superior, público ou particular, somente será permitido se houver correlação de matérias e compatibilidade de horários, vedado, em qualquer hipótese, o desempenho de função de direção administrativa ou técnica de estabelecimento de ensino.

Parece-nos esta a interpretação mais acertada para o dispositivo em questão. Ao magistrado, diante da responsabilidade e exigências inerentes ao assoberbado cargo, não é permitido o exercício de duas docências.
O Conselho Nacional de Justiça defendera esta posição, plasmada em sua Resolução nº 336/2003, confrontada diante do Supremo Tribunal Federal, quando da apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.126.
O Supremo Tribunal Federal julga inexistente a conotação “única”, na Constituição. Interpõe a Corte que o número de instituições não é relevante, mas sim a quantidade de horas dispensadas à atividade, secundária diante do ofício da magistratura.
ADI-MC 3126 / DF - DISTRITO FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 17/02/2005 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação DJ 06-05-2005 PP-00006
REQTE.(S) : AJUFE - ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL
ADV.(A/S) : ELTON CALIXTO
REQDO.(A/S) : PRESIDENTE DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL
Voto Min. Gilmar Mendes
[...] Ao usar, na ressalva, a expressão “uma de magistério”, tem a CF, por objetivo, impedir que a cumulação autorizada prejudique, em termos de horas destinadas ao magistério, o exercício da magistratura.
Daí a restrição à unidade (“uma de magistério”.
A CF, ao que parece, não impõe o exercício de uma única atividade de magistério.
O que impõe é o exercício de atividade do magistério compatível com a atividade de magistrado.

Dedicação Exclusiva, Inatividade, Vacância

O regime de dedicação tange a uma relação entre o servidor e a instituição, que acrescenta ao regime de 40h semanais uma característica extra, isto é, o inteiro comprometimento às atividades pertinentes ao cargo ou função exercida, como bem o definiu a Corte de Contas da União, por ocasião de julgamento de acumulação de cargos:
O regime de dedicação exclusiva é um pacto feito entre a Administração e o servidor, cabendo à primeira o pagamento da remuneração nessa condição e ao professor, a renúncia ao exercício de qualquer cargo ou emprego, de natureza pública ou privada. [Acórdão 2388/2006 – Plenário]
A vedação de acúmulo para o servidor submetido ao regime de dedicação exclusiva é absoluta, não incidindo quaisquer das exceções elencadas pela Constituição Federal, uma vez que estas configuram direito subjetivo dependente da renúncia à DE.
Em 2006, cruzamento esporádico entre a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos – SIAPE, detectou 736 servidores em situação irregular de acumulação de cargo público ou emprego privado com regime de dedicação exclusiva na Administração. O Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – SEFIP calcula que o correspondente prejuízo infligido ao erário ultrapassaria a soma de 12 milhões de reais por ano.
Entendimento consagrado, os casos de acumulação que envolvem o regime de DE devem acarretar, com sua constatação, inevitável processo de restituição ao erário público da parcela de 55% relativa à dedicação exclusiva pelo período em que perdurar o acúmulo, respeitando-se o qüinqüênio prescricional previsto em lei.
Os servidores inativos por aposentadoria não se sujeitam às regras de acumulação com relação aos cargos exercidos em atividade, isto é, sua investidura em novo cargo público não é acumulada ao cargo em que se aposentou. É ilegal, entretanto, a aposentadoria com percepção de proventos de cargos públicos inacumuláveis em atividade.
A legislação federal vigente oferece solução provisória para a situação do servidor titular de cargo ou função públicos que é aprovado em processo seletivo para provimento em cargo inacumulável àquele que já ocupa. Trata-se do instituto previsto no art. 33, VIII, da Lei nº 8.112/90, a vacância para posse em outro cargo inacumulável, que permite a manutenção do vínculo do indivíduo ao cargo que ocupava inicialmente, enquanto o mesmo se afasta para o exercício do segundo cargo, pelo período em que durar este estágio probatório.
É censurável a utilização da licença para tratamento de interesse particular em lugar da referida forma de vacância, tendo em conta que a acumulação é configurada pela titularidade do cargo que, em caso de licença, persiste, e não apenas pelo efetivo exercício.

Compatibilidade de horários

Reconhecidamente, a Administração pode utilizar critérios específicos na aplicação restrita dos preceitos do art. 37, XVI da CF, dando significação concreta à genérica “compatibilidade de horários”.
Essa exigência se concentra em dois aspectos: o choque de horários e o cômputo total. Embora a acumulação se coadune a uma das hipóteses constitucionais permissivas, a análise da compatibilidade de horários ainda pode revelar sua ilicitude.
RE 351905 / RJ - RIO DE JANEIRO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 24/05/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma
Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. ART. 17 DO ADCT. 1. Desde 1º.11.1980, a recorrida ocupou, cumulativamente, os cargos de auxiliar de enfermagem no Instituto Nacional do Câncer e no Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro - IASERJ. A administração estadual exigiu que ela optasse por apenas um dos cargos. 2. A recorrida encontra-se amparada pela norma do art. 17, § 2º, do ADCT da CF/88. Na época da promulgação da Carta Magna, acumulava dois cargos de auxiliar de enfermagem. 3. O art. 17, § 2º, do ADCT deve ser interpretado em conjunto com o inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, estando a cumulação de cargos condicionada à compatibilidade de horários. Conforme assentado nas instâncias ordinárias, não havia choque de horário nos dois hospitais em que a recorrida trabalhava. 4. Recurso extraordinário conhecido e improvido.

Não é admissível, em absoluto, a titularidade de dois cargos cujos horários colidam, total ou parcialmente. Por outro lado, tampouco é salutar que o funcionário cumpra uma carga horária final estafante, que acarrete o prejuízo das atividades por ele desenvolvidas.
O Tribunal de Contas da União recomenda o exame do caso concreto para aferição do cômputo aceitável para a acumulação, embora a jurisprudência da Corte determine, via de regra, o limite de sessenta horas semanais para acumulações lícitas.
Em decisão referencial, o TCU delineia as razões por que o exercício de jornadas que, juntas, perfaçam cômputo alto de horas pode infligir dano ao serviço público.
6. [...] Ressalto que, embora a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT não seja diretamente aplicável a servidores públicos stricto sensu, ao menos demonstra a necessidade de se fixar máximo e mínimo, respectivamente, para os tempos diários de labor e de descanso - arts. 59 e 66 da CLT -, que, desrespeitados, geram, em última instância, comprometimento da eficiência do trabalho prestado.
7. Por analogia àquela Norma Trabalhista, destaco a coerência do limite de sessenta horas semanais que vem sendo imposto pela jurisprudência desta Corte, uma vez que, para cada dia útil, ele comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada - art. 66 da CLT -, dois turnos de seis horas - um para cada cargo, obedecendo ao mínimo imposto pelo art. 19 da Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n. 8.270, de 17/12/1991 - e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos destinada à alimentação e deslocamento, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso tanto dos funcionários celetistas quanto dos estatutários.[Acórdão 2133/2005 - Primeira Câmara]

Processo Administrativo Disciplinar

A Lei nº 8.112/90 é dura ao enumerar as conseqüências da acumulação ilegal. Mas é justa, ainda assim. O servidor comum pode desconhecer as regras específicas de acumulação, criadas no âmbito da Administração, como aquelas de cômputo de horas. Isso não desincumbe a própria administração de orientar, prevenir e fiscalizar, ao contrário; mas a ignorância não pode ser penalizada como a má predisposição o deve ser.
Detectada a acumulação ilícita, o servidor deve ser convocado a apresentar sua opção por um dos cargos ou redução da carga horária de um deles, no prazo improrrogável de dez dias.
Entretanto, patente a má-fé, geralmente cristalina em casos de servidor que exerce dois cargos no mesmo horário, o legislador exorta a abertura de processo administrativo disciplinar, antes que se proceda às sanções. Neste caso, demissão (art. 132, VII).

Conclusão
Acumulação de cargos é situação proibida pela Constituição de 1988, à exceção das hipóteses por ela mesma elencada em rol taxativo. Permiti-lo quando a Constituição não o permite significaria aquiescer à impossibilidade física de se estar em dois lugares ao mesmo tempo; ser conivente com a má prestação de um serviço ou, talvez, dois ou três; ou, em último caso, sobrecarregar um indivíduo com tarefas que o Estado deve atribuir a mais de uma pessoa.
O combate deve ser feito pelos órgãos de controle e fiscalização, bem como pelas próprias repartições e entidades, em ações periódicas e coordenadas. O cruzamento de informações dos sistemas de banco de dados, no âmbito dos três Poderes, é o método mais eficaz de coibir a prática da acumulação ilícita, especialmente devido à escassa aplicação das sanções previstas, com exceção daquelas destinadas ao regime de dedicação exclusiva.
À guisa de síntese, citamos o brilhante pensamento de Joaquim Castro Aguiar apud MEIRELLES: em geral, cargos acumulados são cargos mal-desempenhados.


BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Acumulação de cargos públicos. Considerações sobre a Emenda Constitucional nº 34. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2010.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 1 ed. Salvador: 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34 Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.