quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Revisão nos contratos administrativos

Por se falar em contratos, em todos os ramos do direito, mister falar-se na teoria da imutabilidade das cláusulas contratuais.
Representada pela expressão latina pacta sunt servanda, encontra significado na máxima “o contrato faz lei entre as partes”. Unindo ação às palavras, os contratos seriam imutáveis, ainda que por justa razão superveniente – não alterados, não revisados: cumpridos.
O princípio da força obrigatória, entretanto, encontra oposição no algo neófito rebus sic stantibus, isto é, a teoria da imprevisão, que visa diretamente a igualdade entre as partes.
Zunino Neto ensina que antes da promulgação da Constituição vigente, a doutrina estabelecera a nulidade ou resolução do contrato como soluções para qualquer falha insanável que impedisse seu cumprimento (tal como o não preenchimento dos requisitos essenciais para contratação).
Entrementes, a nova legislação, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, bem como a jurisprudência em peso, tem identificado na revisão instituto mantenedor da legalidade e do bem comum.
Também o direito administrativo acha baliza nos brocardos da imutabilidade e da imprevisão. É correto afirmar, portanto, que os contratos administrativos devem ser cumpridos, exceto em caso de desequilíbrio entre as partes contratantes. Quando dessas ocorrências, é cabível a revisão do contrato.
A revisão, assim, acha-se intrinsecamente relacionada ao equilíbrio econômico-financeiro das partes, repetidamente referido como “equação econômico-financeira”. Kléber Martins de Araújo a conceitua como permanente equivalência entre os encargos suportados pelo particular e a remuneração a ele paga pela Administração.

Ora, estando o particular cumprindo seu encargo contratual, bem como a Administração honrado com a respectiva remuneração, e não havendo disparidade entre as respectivas obrigações (encargo-remuneração), conclui-se que as partes encontram-se nas mesmas condições de quando da celebração do pacto, não lhes assistindo, portanto, quaisquer justificações plausíveis para tentar se esquivar do cumprimento de suas cláusulas, por mero capricho ou motivo irrelevante, senão por eventos que tornassem o negócio demasiadamente oneroso para qualquer deles, ou nos casos de alteração unilateral do contrato pela Administração em virtude do princípio da supremacia do interesse público.

O citado equilíbrio tem esteio na própria Constituição Federal, art. 37, inciso XXI, que traz o seguinte texto:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.


Em semelhante redação, o chamado Estatuto da Licitação, Lei nº 8.666/93 preleciona:

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:[...]
II - por acordo das partes:
[...] d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual

Novamente, a revisão surge nesse contexto como forma de relativizar o princípio da força obrigatória. Outras formas de relativização restam nas denominadas correção monetária e reajuste – este último previsto no contrato, por ser devido a fatores previsíveis que requeiram alteração de valores. A revisão aparece, outrossim, como o único meio flexibilizador do pacta sunt servanda que se baseia no rebus sic stantibus.
Exemplo prático para o recurso em tela se dá com a atualização das alíquotas da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS sobre o contrato ajustado, causando prejuízo para a parte.
Em síntese, o contrato administrativo não pode ser tido como intangível ou imutável, a menos que com isso se queira apontar uma regra sem abarcar suas exceções. A revisão é uma delas, na sua qualidade de instituto relativizador do princípio pacta sunt servanda.
Essa relativização só é possível através da teoria da imprevisão, que permite que fatos ulteriores imprevistos e imprevisíveis acarretem a revisão e possível alteração ou resolução do contrato, a fim de que seja preservado o equilíbrio entre os contratantes, no que tange a suas condições econômicas e financeiras. A preocupação com a conservação da equação mencionada provém mesmo de disciplina do legislador, como manda o princípio da legalidade na Administração, e de crescente interesse da doutrina.
Destarte, revisão em contrato administrativo é possível e cabível nos termos examinados, com a finalidade última de proteger a justeza do contrato e o interesse público.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Kleber Martins de. Contratos administrativos: cláusulas de reajuste de preços e reajustes e índices oficiais . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2008.

Boletim Informativo de Licitação da Procuradoria Geral do Município - nº 18 - Junho. São Paulo, 2004. Disponível em: http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/negocios_juridicos/licitacoes_boletins/0018. Acesso em 27.0ut.2008.

ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 31, maio 1999. Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2008.

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