quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Pobrezinha da Língua Portuguêsa

Trago às vistas de nossos leitores, de forma cíninca e humorada, um dos acontecimentos mais cabeludos envolvendo a Língua portuguesa. E pra variar, originou-se de um dos “fabulosos” deputados brasileiros e muito provavelmente profundo conhecedor da língua (ou não).

(...)
Uma piada de português


Quinta-feira, 13 de dezembro. Hora do almoço. O chofer da camionete do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), trajando seu paletó azul e sua gravata vermelha, encontra seu irmão caçula no restaurante. O garçom traz o menu. Alisando seu bigode, Aldo pede bife de filé no capricho, com purê de batata e, de entrada, salada de maionese com tomate e azeitona. Enquanto come, discute a guerra da CPMF e a crise política. No final, toma o indispensável cafezinho bem brasileiro e vai embora, depois de fazer um brinde, festejando a aprovação do projeto de lei contra os estrangeirismos.


As palavras restaurante, garçom, menu, filé, maionese, purê, conhaque e champanhe foram roubadas do francês que, como todo mundo sabe, adora comer e beber e, além disso, exportou para nós milhares de galicismos como chofer, camionete, garagem, hotel. Aldo não pode degustar a culinária francesa, muito menos a batata cultivada em chácara, duas palavras quechuas. Salada de tomate, nem pensar, é vocábulo nahuátl do México, tanto quanto chocolate. Bife é inglês e, se for no capricho, é coisa de italiano. Azeitona é árabe. Nem suco de abacaxi ou caju – palavras tupis – ele poderá beber. Suprime até o cafezinho, que todo mundo pensa que é brasileiro, mas é palavra árabe – qáhwa, exportada para a Turquia, onde virou kahvé e de lá, em 1655, para a Itália, mudando para caffé, sendo então repassada para nós.


O deputado, faminto e com sede, encontra dificuldades em se vestir. Coerente com a defesa da língua portuguesa, tira o paletó, tão francês quanto o sutiã, mas não pode substituí-lo por short, jeans e tênis comprados no shopping, porque são anglicismos. Não pode ficar de camisa, porque se trata de uma palavra celta. O pijama é descartado, porque vem do hindustani, falado na índia. Só de cueca e gravata vermelha, Aldo pode ser cassado por falta de decoro, como o deputado Barreto Pinto, que no final dos anos 1940 posou de fraque e cueca para a revista Cruzeiro.


Mas nem a gravata vermelha ele pode usar: gravata é crovatta, denominação dada pelos italianos aos croatas, inventores da dita cuja, e vermell foi trazida em 1380 do Oriente Médio por marinheiros catalães. Por isso, Aldo procura roupa alternativa costurada artesanalmente, mas descobre que alfaiate é estrangeirismo, um empréstimo do árabe, de onde também vem a cor azul do seu terno abandonado e vocábulos como almofada, xadrez, tarefa, laranja, guitarra e tantos outros. O deputado, então, só tem uma saída para manter sua fidelidade à pureza da língua portuguesa: ficar nuzão como os índios Tupi.


Nu, faminto, desesperado e com sede, Aldo tenta conversar com o irmão, mas omite sua condição de caçula, estrangeirismo proveniente de língua africana igual a milhares de outros como vatapá, samba, cafuné, bagunça, moleque, bunda. Não pode discutir política, nem expor sua tese sobre a crise ou defender a democracia, porque são quatro termos gregos. Não pode falar da guerra (werra), nem mesmo fazer um brinde (bring dir´s – eu te ofereço), que são germanismos. Aldo, então, é obrigado a ficar mudo como o ex-deputado amazonense Lupércio Ramos ficou durante todo seu mandato.


Mudo, despido, faminto e com sede, o autor do projeto, contrariando a doutrina social que professa, demite seu motorista, por não poder chamá-lo pelo apelido: Malandro é um italianismo como festejar e carnaval. Já a palavra Carioca, de origem tupi, foi incorporada com milhares de outras ao português do Brasil. Aldo, finalmente, cofia o bigode, mas é advertido que alisar é um termo de língua celta e bigode vem do alemão (bei got – por Deus). Por Deus, Aldo raspa seu bigode. Tudo pela pureza do português!
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A língua não vai deixar de ser portuguesa, por causa de palavras importadas. Ela continua pertencendo às comunidades que as falam e que sabem defendê-la.
A Comissão de Educação e Cultura, indo num sentido contrário ao de Aldo Rebelo, se reunia em outro auditório da Câmara de Deputados, em Brasília, para discutir relatório sobre a Diversidade Lingüística do Brasil, onde são falados mais de 200 idiomas.
A diversidade lingüística é um patrimônio da humanidade, que deve ser – esse sim – defendido com unhas e dentes. No Brasil, essa riqueza toda é representada pelas línguas indígenas, pelas línguas das comunidades afro-brasileiras e dos imigrantes estrangeiros, pela Língua de Sinais (LIBRAS), mas também pelas variedades dialetais da língua portuguesa. O IPHAN, que vai fazer um inventário desses falares, propôs a criação do Livro de Registro das Línguas para garantir o direito dos falantes e documentar esse patrimônio de natureza imaterial.


Durante o evento, a representante da Unesco, Jurema Machado, anunciou que aquela instituição havia escolhido 2008 para ser o ano da diversidade lingüística. Foram distribuidas cópias do Diário Oficial da União de 12 de dezembro, contendo texto bilingüe do acordo de cooperação entre a FUNAI e a OPIPAM - Organização do Povo Indígena Parintintin do Amazonas. O documento foi publicado em português e em língua Kagwahiva. É a primeira vez que isso ocorre na história do Brasil. Policarpo Quaresma, com “seu eterno sonhar, sua ternura e sua candura de donzela romântica”, não estava doido. Agora, ninguém mais vai rir dos ofícios que ele escreveu em tupi.




Síntese com algumas adaptações do texto de José Ribamar Bessa Freire, publicado originalmente no Diário do Amazonas.

7 comentários:

Benival Ferreira disse...

Maldição da bobônica!!!
Será que algum dia eu conseguirei deixar meus textos justificados?

Respondam-me forças ocultas do Word...
kkkk
Eitxa

Anônimo disse...

Muito bom o texto. É Aldo, não adianta... A língua portugesa é assim mesmo. Talvez acabar com os terríveis "50% off", "drive trought" e outros estrangeirismos seja o mais viável

Elland disse...

Até a frança, onde é crime utilizar qqr lingua diferente do francês em vitrines é crime passível de multa :O
o estrangeirismo vai sempre ocorrer... acho que a unica lingua utilizada sem estrangeirismos e dinâmicas é o latim mesmo... Mata o português que ele fica estático :D

Gostaria de poder comentar mais, mas comentar é estrangeirismo também... :(

Fernanda K. O. Calixto disse...

E o meu irmãozinho volta a escrever!!!
Muito bem!
Não sou adepta de estrangeirismos, mas, na língua portuguesa, no Brasil, não há como fugir de tudo.
Somos uma verdadeira mistura, de pessoas, de etnias, de culturas.

Fernanda K. O. Calixto disse...

Esqueça o word. O problema é do blogger.
Só pra reiterar: bom resumo!

Shacales Miserables disse...

Essa história me lembra bem, o fato que ocorreu na alemanha. Em que um tirano pensou que poderia livrar seu país do mesticismo a qual era subemetido. Mesmo muitos tenham nascido lá, ainda sim eram considerados impuros , assim como o estrangerismo toma uma nova forma para se adaptar a nova realidade.
Coisa essa que não era admitada por muitos conservadores...
Sem mais, Shacal do Deserto.

Anônimo disse...

Nosso país já foi o de maior diversidade lingüística do planeta com centenas de raízes lingüísticas diferentes oriundas dos incontáveis grupos étnicos aqui existentes antes da invasão européia. Hoje continuamos um Estado pluri nacional de um dinamismo ímpar e a língua é somente mais uma exteriorização das muitas culturas brasileiras. A língua do povo serve para comunicar, a língua dos políticos para mentir e a das grandes redes de informação para desinformar. Por outro lado quando alguém sobrecarrega seu discurso de estrangeirismo torna-se pedante, afetado e a metalingüística é um cachorro que corre atrás do seu próprio rabo. Fale errado, mas diga coisas certas...