sábado, 29 de novembro de 2008

FURTO EM ESTABELECIMENTO VIGIADO POR CÂMERAS: Tentativa ou Crime Impossível?


A tentativa consiste na realização inconclusa da conduta típica. Conforme Zaffaroni, tem natureza jurídica de “ampliação da tipicidade proibida” que abrange a conduta “imediatamente anterior à consumação”. Entretanto, há opiniões doutrinárias divergentes, pois Aníbal Bruno a considera delito imperfeito ou frustrado; Roberto D’Avila entende que se trata de regra de extensão da pena e David Teixeira de Azevedo a considera delito autônomo, com estrutura completa, objetiva e subjetivamente.

No que concerne às teorias fundamentadoras da punição da tentativa, a doutrina elenca quatro principais: 1) a subjetiva, que leva em consideração apenas o valor da ação, não tendo relevância o desvalor do resultado, visando punir o agente que manifesta vontade contrária ao Direito. Assim, o agente pode ser punido a partir do momento em que ingressa na fase de preparação; 2) a objetiva, que considera tanto o desvalor da ação quanto o desvalor do resultado. É a adotada pelo art. 17 do CP brasileiro vigente; 3) a subjetivo-objetiva, pela qual se pune em razão do risco causado ao bem jurídico protegido; e 4) a sintomática, para a qual o fundamento da punição é a prevenção.

Por outro lado, existe a tentativa não punível, mais conhecida como crime impossível, na qual o agente usa meios absolutamente ineficazes ou o objeto que visa atingir é absolutamente impróprio. Trata-se de causa excludente da tipicidade, pois o bem jurídico não sofre risco algum, logo não há punição.

No que tange especificamente à consumação do crime de furto, MIRABETE elenca as seguintes teorias:


[...] (1) a concretatio (basta tocar a coisa); (2) a apprehensio rei (é suficiente segurá-la); (3) a amotio (exige-se a remoção de lugar); e (4) a ablatio (a coisa é colocada no local a que se destinava, em segurança). A jurisprudência consagrou uma situação intermediária entre as duas últimas teorias, a da inversão da posse [...] (2007, p. 206-207).


Assim, os tribunais superiores consagraram que se reputa consumado o crime de furto quando, havendo a inversão da posse, o agente a detém de forma tranqüila, mesmo que por pouco tempo.
Em relação ao caso em que a conduta do agente é previamente vigiada por câmeras de segurança, há teorias controversas na doutrina.

Aqueles que adotam a teoria subjetiva entendem haver tentativa, haja vista que para esta basta a vontade – contrária ao Direito – de subtrair coisa alheia móvel, aliada ao animus furandi. Logo, trata-se de tentativa.

Para Jescheck, entretanto, como o Código Penal brasileiro em vigor adota a teoria objetiva, a tentativa só é punida por haver grande probabilidade da produção do ilícito. Logo, a tentativa absolutamente inidônea simplesmente afasta a punibilidade. Portanto, como a ação do indivíduo que esconde um objeto de estabelecimento vigiado por câmeras de segurança, por não apresentar perigo concreto ao bem jurídico, nem retirar o bem da esfera de vigilância e disponibilidade da “vítima”, configuraria crime impossível. Em síntese: “a norma jurídico-penal não tem necessidade de proibir condutas inidôneas” (CALLEGARI).

Nesse sentido, a seguinte ementa do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, em que foi relator o juiz Paulo Moacir Aguiar Vieira:

Tentativa de furto em supermercado. Crime impossível. Vigilante que controla desde o início todos os movimentos da ré, apreendendo a mercadoria e detendo a acusada quando essa procurava se retirar sem efetuar o pagamento. O pleno sucesso da ação preventiva de proteção ao patrimônio contrasta com a inidoneidade do meio empregado pela ré para lograr o propósito delituoso (art. 17 do CP). Absolvição por ser o fato penalmente irrelevante. (in CALLEGARI)

Em contrapartida, aduz MIRABETE: “configura tentativa a conduta do agente que esconde sob suas roupas a coisa que quer subtrair e é detido ao tentar passar pelo caixa do supermercado” (RJDTACrim 2/179, 6/78); e ainda, DELMANTO:


[...] Não há crime impossível, mas tentativa, se a impropriedade do objeto é relativa, como no caso de simples defeito mecânico do automóvel. (STJ, REsp 58.870, j. 22.3.95, in Bol. AASP nº 1.933). No mesmo sentido, se o agente é filmado em supermercado escondendo a res em sua calça, sendo preso em flagrante pela fiscalização do estabelecimento (TACrSP, RT 783/645). [...] (2002, p. 338).

Diante do exposto, apresentamos trecho de matéria extraído de página na internet, onde pode-se verificar situação semelhante ocorrida na Faculdade de Alagoas:

Seguranças da faculdade notaram as filmagens da última vez em que Marcelo Guimarães esteve na biblioteca da faculdade e viram que ele levava duas bolsas pesadas. Ontem, quando Marcelo Guimarães deixou a biblioteca, ele foi abordado e, com ele, estavam os livros Anatomia Atlas e Anatomia Humana, volume 1 e 2.

Os livros estavam escondidos embaixo da blusa do estudante. [...] (19 jan. 2008)

Na ocasião, o agente foi detido ao se constatar que este vinha subtraindo livros da biblioteca da faculdade, escondendo-os sob a roupa.

Diante deste caso concreto, vê-se, portanto, que as câmeras de vigilância não tornaram absolutamente ineficaz o meio empregado pelo agente, e sim tornaram sua eficácia apenas relativa. Caso o modus operandi adotado por aquele não fosse suficientemente eficaz para se atingir o resultado pretendido, o agente não teria subtraído outros livros da faculdade, ressalte-se, em diferentes ocasiões.

Sendo a conduta relativamente eficaz, há uma tentativa do agente em se valer dessa relatividade.

Pergunta-se, então: monitorar todos os passos do agente, desde o início da ação, torna impossível a consumação do delito? Se a resposta for positiva, o que devemos dizer que ocorreu quando nos depararmos com uma situação em que o agente – desde o início vigiado – conseguiu se retirar do estabelecimento com a res? Se o furto já era ex ante impossível, estaríamos diante de quê?

Assim, deve-se levar em consideração que nem todos os meios serão absolutamente ineficazes quando houver um sistema de vigilância no local. Isto porque ter os movimentos monitorados é diferente de tê-los “controlados”.

A outra questão abordada no texto é diferente. Enquanto que o simples ato de esconder um livro sob o casaco pode ser suficiente para subtraí-lo sob as vistas de um sistema de vigilância, o mesmo não o é quanto ao furto de mercadorias com etiquetas magnéticas.

Aqui, sim, vemos um meio absolutamente ineficaz para se furtar uma peça de roupa, por exemplo. O meio passaria, contudo, a ser relativamente ineficaz caso o agente se valesse de alguma tecnologia capaz de favorecer-lhe.

Utilizar-se tão-somente do ato de esconder a res debaixo da própria roupa, todavia, não seria suficiente para burlar esse tipo de tecnologia quando em perfeito funcionamento.

Lembremos que o art. 17 do CP utiliza termos extremos, quais sejam “absolutamente” e “impossível”. Desta forma, devemos entender que absolutamente ineficaz é aquele meio que se apresenta ineficaz a qualquer um e em qualquer momento, verificando-se as nuances do caso concreto.

O Exemplo mais comum de crime impossível é o caso do indivíduo que, desejando matar seu desafeto, dispara contra este com uma arma de fogo, ignorando, contudo, o fato de que sua vítima já se encontrava morta. O que vemos aqui é um caso inegável de crime impossível, pois, naquelas circunstâncias, seria impossível a qualquer um realizar a conduta típica prevista no art. 121 do CP, independentemente do meio empregado.

O desconhecimento do agente quanto ao estado de sua vítima não muda o fato de que o objeto se apresentava absolutamente impróprio à consumação do crime, pela falta do bem jurídico tutelado – a vida. Da mesma forma, para que os meios empregados na realização de uma conduta criminosa venham a ser considerados como absolutamente ineficazes, tais meios devem ser absolutamente ineficazes a qualquer um, em qualquer momento, do contrário não caberia a utilização do vocábulo “impossível”.


CONCLUSÃO


São requisitos para a configuração de crime impossível (art. 17 do CP), a “ineficácia absoluta do meio” ou a “absoluta impropriedade do objeto”.

Nos casos aqui apresentados, não há que se questionar quanto à impropriedade do objeto, pois trata-se de coisa alheia móvel, objeto literal do crime de furto. Toda a questão está em se aferir a absoluta ineficácia do meio empregado pelo agente.

“Absoluta” é a terminologia utilizada pelo Código Penal, o que torna necessária a existência de tal característica no caso concreto para que reste configurada a conduta típica do referido dispositivo legal.

Não sendo a conduta enquadrável nesses termos – sendo a ineficácia somente relativa – o crime deixa de ser impossível, passando a subsumir-se, quando frustrado por circunstâncias alheias à vontade do agente, na figura típica correspondente, em sua modalidade tentada.


______________________________________________

BIBLIOGRAFIA

CALLEGARI, André Luís. Crime Impossível: Furto em estabelecimento vigiado ou com sistema de segurança. BOLETIM IBCCRIM; São Paulo, nº. 69, p.16, ago., 1998.

DELMANTO, Celso et al.Código Penal Comentado. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol.2: parte especial. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

RODRIGUES, Elaine. Estudante da UFAL é preso ao furtar livros da FAL. Tudo na Hora. Maceió, 19 jan. 2008. Disponível em . Acesso em 11 ago. 2008.
____________________________________________
Fernanda Karoline Oliveira Calixto
Ladislau Cordeiro dos Anjos

Nenhum comentário: